segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Bate papo com José Lemes - Congada do Parque São Bernardo

Mais conhecido por Zé Neguinho, 50 anos e nenhum cabelo branco.
Eu, 31 anos, vários reflexos brancos pela cabeleira!




Despedindo-se do inverno, um dia nublado, um corpo cansado, mas uma alma ativa e aberta para o que pudesse acontecer. Assim eu me dirigi à casa de Dona Cotinha, quase 90 anos e uma disposição incrível, para conversar com o seu Ditinho. Chegando lá, não o encontrei, todavia para minha surpresa e alegria o senhor José Lemes me recebeu, de peito aberto para uma conversa franca e descontraída. Começou me contando dos avós, de como eles se conheceram, que sua avó nasceu no dia 13 de maio de 1888, dia da assinatura da lei Áurea, que libertou os escravizados, entretanto não deu condições aos negros de terem uma vida digna, já que não tinham dinheiro, casa, trabalho. Ele me disse, com a maior franqueza: “a igreja foi conivente com a questão da escravatura, via tudo e não fazia nada”.
A cidade de Cambuquira, em Minas Gerais, é muito representativa nesta questão, pois foi um local doado aos negros para que pudessem começar a vida libertos, mas houve muita discórdia com os brancos para que conseguissem permanecer no local.
Seu Zé Neguinho vira para mim e pergunta: “você sabe o motivo pelo qual as cidades, principalmente as que possuíam escravizados têm em sua grande maioria a Igreja Matriz e a Capela? Eu não tinha a menor ideia e muito sabiamente, seu Zé me explicou que os donos das fazendas faziam suas festas religiosas na igreja e os negros somente podiam entrar na capela, seria como se a igreja houvesse construídos as capelas para os negros e as igrejas para os brancos. Todavia, o negro ia para a capela fazer seus batuques e os brancos ficavam encantados com a sonoridade, mas não iriam entrar em nenhuma hipótese na capela, por isto com o tempo os negros foram permitidos a participar das festas religiosas, para ao término destas, poderem fazer a festa profana, com batuque e por isto também a igreja “dá” aos negros os santos negros: São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, para trazer os negros para a fé católica.
Várias vezes seu Zé Neguinho me disse: “não adianta a gente dançar congada e não saber a história por trás da congada, a gente precisa entender como chegamos aqui.” Começamos a voltar a falar da família, que os avós já faziam parte de congadas em Minas Gerais e em 1963, os pais decidem sair de Monsenhor Paulo e vir para São Paulo, em busca de melhores condições de vida. Moraram em algumas cidades do interior, em Santo André, até chegar em São Bernardo do Campo, no Parque São Bernardo. Sempre quando voltavam a Minas Gerais, iam para as festas de congadas, dançar se divertir, até que um dia, seu Zé Neguinho com cerca de 20 anos pensa em montar a congada da família. Pela questão de hierarquia, ele fala primeiramente com seu pai, que fica meio relutante com a idéia, depois com seu irmão mais velho, seu Ditinho e assim iniciam a Congada do Parque São Bernardo, há princípio apenas com membros da família Lemes, que na época eram 7 irmãos de sangue e 1 de criação. Muito interessante também as colocações de seu Zé Neguinho com relação a fé que seu pai tinha e que fez com que conseguissem sair de situações muito difíceis.
Outro aspecto muito interessante de nossa conversa foi a visita ao Centro de Memória da Família Lemes, que está sendo finalizado, em um terreno próximo a casa da família. Seu Zé Neguinho fez e está fazendo toda obra sem nenhum auxílio financeiro. O sonho dele é tornar o local um centro cultural, onde tenha aulas de música para as crianças, aula de tecnologias para os idosos, seja um espaço para discussão das questões do negro, de reunião de diversas culturas: hip hop, rap, congada, samba, para produção de saraus. Há uma vista incrível da comunidade como um todo, é um local muito representativo e além de todos estes aspectos, haverá um espaço para contar a história da família Lemes.
Nossa conversa finalizou falando da questão do negro, como a raça está desarticulada, não há união e prova disto, segundo seu Zé Neguinho, é ver que na maioria das escolas de samba hoje não há negros ocupando altos cargos, o dia 20 de novembro, que é o dia da Consciência Negra, não há um movimento ele mesmo disse que acha inútil o feriado, porque não trouxe consciência alguma sobre a questão.
Voltei para casa muito feliz, com a sensação de que em apenas uma tarde de domingo eu aprendi tantas coisas, que anos e anos não me dariam e o quão rico e iluminado é cada ser humano!

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